Homenagem a Cucha Carvalheiro

CUCHA CARVALHEIRO: MULHER, VOZ E PALAVRA

 

Ama as palavras porque as palavras têm História!

Será imortal no Teatro porque, enquanto houver voz e memória, será para a vida toda!

Ama o Teatro porque  ele é Tempo, é Presente e é Emoção imediata de quem está do outro lado a assistir!

Gostaria de fazer mais cinema, como os realizadores portugueses também gostariam de fazer… muito mais vezes!

Tudo seria muito melhor se só se representassem bons textos! Dramaturgos? Argumentistas? Só gosta dos Grandes!

A consciência da dimensão da injustiça encontrou-a, durante a infância em Benguela, através do racismo e do relativismo que as palavras também encerram.

Sente-se como peixe na água quando faz alta-comédia, quando os textos lhe permitem criar o jogo entre o rir e o chorar.

É a atriz da presença, do  “estar lá todos os dias” a “ouvir” o outro como se fosse pela primeira vez.

É ainda aquela a menina que dançava no ar representada no desenho reencontrado no baú da infância e, talvez por isso, Pina Bausch é a sua artista preferida.

Não quer acreditar que é um dos maiores nomes da ficção portuguesa e brinca confundindo prestígio com sílabas. Não se leva muito a sério mas o olhar cinematográfico de João César Monteiro, José Fonseca e Costa, Jorge Paixão da Costa, Fernando Silva, Margarida Gil, Rita Palma e Tiago Guedes construíram nela, personagens intensas que são inevitavelmente levadas muito a sério.

Mas ela também respira o cinema na sua dimensão mais intensa, mais exuberante e mais criativa quando confessa que os seus filmes preferidos são ‘Johnny Guitar’, de Nicholas Ray, ‘Amarcord’, de Federico Fellini, ou ‘1900’, de Bernardo Bertolucci.

É a Mulher Voz de tantas personagens que as crianças adoram e ela gosta muito que elas a reconheçam nesse pacto de fantasia que todos sabemos desvendar desde muito cedo.

E porque as Palavras são tudo e porque os bons textos são o pilar da sua vida, a Cucha vive a literatura de ‘Orlando’, de Virgínia Woolf; ‘O Quarteto de Alexandria’, de Lawrence Durrell, “Cândido, ou O Optimismo’, de Voltaire; ‘O Ano da Morte de Ricardo Reis’, de José Saramago; e ‘Demian’, de Herman Hesse.”, entre muitos, muitos outros.

Adolfo Gutkin foi o encenador que percebeu que ela queria subir num palco, descobriu os seus próprios mistérios e a Cucha descobriu a magia de uma vocação que a faz interpretar os textos de Feydeau, Eduardo De Filippo, Alan Ayckburn, Neil Simon, Sófocles, Eurípedes, Kleist, Nicolas Wright, Tchekov, Tennessee Williams, Brian Friel, Jean Genet, entre outros.

É uma MULHER TEATRO: Teatro do Mundo, Teatro do Século, Comuna, Companhia Teatral do Chiado ou Escola de Mulheres – Oficina de Teatro.

Em Viúva Rica Solteira Não Fica, de José Fonseca e Costa, Cucha Carvalheiro é Mariana, a misteriosa governanta, aparentemente subserviente, de olhar continuamente perspicaz e subtilmente maquiavélico que protege a sua menina com o xaile do conforto e com o almofariz onde se esmagam os cristais que vão temperar, de uma forma fatal e definitiva, as sopas de ameijoa dos sucessivos maridos.

Como ATRIZ, como MULHER, CUCHA CARVALHEIRO esmaga, no almofariz da PALAVRA, do TEATRO, da LITERATURA e do CINEMA, todos os preconceitos, todos os que confundem cultura com negócio e todos os que, ainda hoje, nos querem mergulhar na ignorância e na barbárie!

OBRIGADA, CUCHA CARVALHEIRO!

 

Anabela Oliveira

Professora auxiliar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e investigadora no Labcom. Doutorada em Literatura Comparada, orienta a sua investigação científica no âmbito dos estudos interartes, nomeadamente nas relações entre literatura e cinema, literatura e arquitetura e também na cinematografia de Manoel de Oliveira, Fellini e Jacques Tati.

 

Evento