Solveig Nordlund:
Uma realizadora portuguesa natural de um outro país


Nascida em Estocolmo, Suécia, em 1945, Solveig Nordlund é uma cineasta sueca que se radicou e naturalizou portuguesa (por casamento com o realizador Alberto Seixas Santos) e que tem trazido para o panorama nacional novos pontos de vista, procurando, segundo a própria, aproximar o seu cinema do público (fator que considera como diferenciador em relação a trabalhar na Suécia, país em que se dá valor a espectadores, contrariamente ao que parece acontecer em Portugal). A sua relevância no contexto da cinematografia portuguesa é inegável, tendo Nordlund vindo a deixar a sua marca no cinema nacional contemporâneo em diversas frentes distintas. Foi uma das fundadoras do Grupo Zero, um “importante ponto de criação do cinema português (e do cinema ‘político’ documental ou de ficção) nos anos que se seguem ao 25 de Abril” (Rodrigues, 2015). Escreveu e realizou Dina e Django (1982), um dos filmes mais marcantes do pós-25 de abril. “Num país de fortes tradições ligadas ao cinema documental, onde a ficção das últimas décadas se insere invariavelmente num dos polos do binómio ‘cinema de autor versus cinema comercial’” (Pereira, 2013, p. 464), deixando pouco espaço para o chamado “cinema de género”, Nordlund foi ainda uma das pioneiras na realização em Portugal de um filme de ficção científica, Aparelho Voador a Baixa Altitude (2001). Concomitantemente, foi a primeira realizadora a adaptar uma obra de António Lobo Antunes, A Morte de Carlos Gardel (2011), para cinema. Se nos anos 20 um surto de cineastas estrangeiros (franceses e um italiano) permitiu o desenvolvimento do cinema dito genuinamente português (cf. Baptista, 2003; Costa, 1991; Nobre, 1960), Solveig Nordlund parece ser o protótipo da mulher cineasta que veio dar continuidade a este “olhar para fora” que os realizadores estrangeiros aparentam ter trazido para Portugal nos anos 20. Recontemos, pois, muito brevemente, a sua história como cineasta portuguesa vinda de um outro país.
Licenciada em Letras pela Universidade de Estocolmo, Solveig Nordlund conhece Portugal nos anos 60 por entreposta pessoa quando é apresentada a Alberto Seixas Santos, português, realizador. Este encontro entre Solveig Nordlund e Alberto Seixas Santos viria a marcar um ponto de viragem na vida da cineasta. Por um lado, acaba por casar com o realizador português, mudando-se para Lisboa, Portugal, em 1966. Por outro, e provavelmente dado ao facto de estar mais próxima dessa realidade, o interesse de Solveig Nordlund pelo cinema intensifica-se. Ainda assim, conquanto quisesse trabalhar em cinema, Nordlund começa por ter diversos trabalhos distintos em Portugal, tais como guia turística e empregada numa fábrica de têxteis da Margem Sul (cf. Carvalho, 2009). Só em 1970, e de acordo com o próprio currículo, começa finalmente a trabalhar no cinema como assistente de realização e de montagem de Manoel de Oliveira, Fonseca e Costa, António Pedro Vasconcelos, Alberto Seixas Santos, João César Monteiro, Thomas Harlan, entre outros (cf. Nordlund, 2010a). Em 1972 vai para Paris como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar cinema na Sorbonne sob a alçada do realizador Jean Rouch. O curso termina em 1974 e Solveig Nordlund retorna a Portugal já pós-25 de abril, iniciando a sua carreira como montadora, realizadora e produtora nas cooperativas Cinequipa, Cinequanon e Grupo Zero, das quais foi também fundadora.
Em 1978 estreia-se na ficção com a média-metragem Nem Pássaro Nem Peixe, mas seria em 1982 que viria a escrever e a realizar a sua primeira longa-metragem de ficção, Dina e Django. Após a estreia desta longa-metragem, no início dos anos 80, divorcia-se e retorna à Suécia onde permanece durante vinte anos. Continua, contudo, a filmar sobre temas relacionados com Portugal. Na Suécia, começa a trabalhar para o SFI (Swedish Film Institute) e para a SVT (Sveriges Television), fundando ainda a produtora Torromfilm através da qual produz e realiza diversos filmes e programas para televisão, tais como as curtas-metragens Resant to Orion (1986) e Bergtagen (1994), uma série documental sobre escritores para a SVT (1987), as longas-metragens Até amanhã, Mário (1993) e Comédia Infantil (1997), entre muitos outros.

Segundo o próprio currículo da realizadora:

Entre 1980 e 1999 divide o seu tempo entre Portugal e a Suécia, onde trabalha como realizadora e produtora de cinema especializando-se em assuntos literários e entrevistas a escritores [reportagens e documentários]. Em 1999 regressa a Portugal onde inicia, além do cinema, uma carreira como encenadora de teatro. (Nordlund, 2010a)
Conjuntamente com Margarida Gil, em 2001, funda a produtora Ambar Filmes através da qual viria a produzir diversas fitas que também realiza, tais como a longa-metragem A Filha (2003), as curtas-metragens Amanhã (2004), O Beijo (2006) e O Espelho Lento (2009), a curta documental Em Trânsito: José Pedro Croft (2011), entre outras.
Permanece em Portugal até 2012 mantendo, ao longo destes anos, a sua atividade como guionista, realizadora, produtora e encenadora.
Em 2012 retorna à Suécia, para a Costa Alta, onde reside atualmente. A mudança para a Suécia, porém, e mais uma vez, não a demove de continuar a trabalhar e a interessar-se por assuntos e temas portugueses.

Em 2013 realiza e produz o documentário Mannaminne sobre o artista sueco Anders Äberg; em 2014, o filme artístico/instalação Utsikten Frän Mitt Fönster; no mesmo ano, devido ao quadragésimo aniversário da revolução portuguesa do 25 de abril, realiza também o filme O Meu Outro País em que apresenta um relato autobiográfico e pessoal quanto aos cinquenta anos em que acompanhou a cultura portuguesa e viveu em Portugal.
Nesta obra, fazendo uma retrospetiva da sua vida através dos filmes que realizou e nos quais colaborou, Nordlund oferece um retrato pessoal da evolução de Portugal (um país onde não nasceu, mas que adotou como seu) desde a revolução até aos dias de hoje.
Presentemente, Solveig Nordlund não mostra tenções de parar. Continua a trabalhar para a televisão na Suécia e a ter muitos planos para o futuro, entre os quais fazer uma longa-metragem ficcional passada no norte da Suécia, onde vive, sobre os refugiados e especificamente sobre raparigas, crianças, que são educadas como homens até à puberdade, sobre uma prática cultural denominada como basha posh (que se traduz literalmente como “vestida como um rapaz”).
No Afeganistão, Irão, Iraque, quando uma família tem só filhas, uma delas é registada, educada e tratada como um rapaz para ajudar as irmãs a ir à escola e para as proteger.
Um artigo do The Guardian identifica mesmo estas crianças como “um terceiro género, que atravessa grupos étnicos e fronteiras geográficas” (Nordberg, 2014).
Em alguns países, a operação de mudança de sexo de mulher para homem é até financiada pelo Estado se a mulher assim o quiser, é um direito dela. Em outros, chegando à puberdade, as mulheres são obrigadas a comportar-se novamente como mulheres e a casar.
A ideia de Solveig Nordlund é aproveitar esta herança cultural dos refugiados, contar a história de uma dessas raparigas que em tudo, menos fisicamente, é um rapaz, e perceber o que pode acontecer a partir daí. “E a questão é: o que é que vai acontecer agora à rapariga? Porque [...] ela pode disfarçar-se… [mas] ela de facto tem todos os condimentos, portanto é rapariga fisicamente.” (Nordlund, 2018). Este é um novo projeto para longa-metragem que Solveig Nordlund quer desenvolver, uma história que aborda questões de género e de subversão de género, o que é o feminino e o que é masculino.
Nordlund que diz nunca se ter sentido discriminada como mulher no cinema, à exceção de uma vez, por causa de dinheiro, quando foi preciso perceber se, como mulher e como estrangeira, deveria ter direito ao mesmo quinhão que seria dividido pelos restantes membros do Centro Português de Cinema. Depois da questão ir a votação, Nordlund ganhou o direito de receber a mesma quota parte do dinheiro, o que achou natural “porque [...], em relação aos homens, havia lá homens também que não tinham feito muita coisa. Portanto, eu era igual aos outros. [...] De resto, se uma pessoa quer trabalhar [...] não tem problema nenhum.” (Nordlund).
Solveig Nordlund é o paradigma de mulher cineasta que nos mostra que nada lhe foi impossível. Sendo estrangeira, mais lhe foi permitido em Portugal, a própria o assume. Mas a sua maleabilidade e naturalidade em trabalhar géneros e preconceitos de género, dentro e fora da tela, a sua autonomia em criar livremente, não ignorando o público, atraem-nos para o seu trabalho e fazem-nos querer aguardar pelo que mais nos poderá mostrar ainda Nordlund no futuro.
Texto adaptado de um excerto da tese de doutoramento Mulheres Guionistas: Uma Definição Dinâmica da Linguagem no Feminino no Cinema Português (Pereira, 2020).
Ana Sofia Pereira

Ana Sofia Pereira é bolseira de Pós-Doutoramento no projeto “FEMglocal – Movimentos feministas glocais: interações e contradições” (PTDC/COM-CSS/4049/2021). Em 2020 completou um doutoramento europeu em Ciências da Comunicação (especialização em Cinema, Argumento) na Universidade Nova de Lisboa, com uma estadia na Universidade de Reading, sobre a falta de mulheres guionistas e realizadoras em Portugal. No mesmo ano, foi uma das vencedoras do Programa de Apoio à Escrita e ao Desenvolvimento de Obras Audiovisuais e Multimédia promovido pelo ICA com a minissérie documental “Virgínia”, baseada num dos estudos de caso da sua tese doutoral. Em 2022 foi novamente uma das vencedoras do mesmo apoio do ICA, desta feita com uma série ficcional sobre a migração e a genética do retorno. É professora do ensino superior, investigadora, guionista e script-doctor.